Amigos queridos. Compartilhamos aqui o texto do nosso Manifesto Artesão, na forma como ele aparece no documentário que acaba de ficar pronto. O filme está disponível no nosso canal no YouTube.
Manifestro Artesão
por Lucas Campos Puttini
Com a sua mão esquerda rejeite tudo que desrespeita a Vida. Com a mão direita, sinta a umidade fria do orvalho sobre a grama. Tente recordar como seria amar o mundo. Com as duas mãos em prece inspire fundo, e se lembre de que a atmosfera como a conhecemos foi criada pelas plantas – o povo em pé que nos dá o ar. Respire e observe: a generosidade é verde. Se familiarize com os modos da madeira, da argila, da fibra e do fruto. Apreenda seus humores e receba suas medicinas. Experimente ficar presente, coisa tão rara: sem telas, sem análise, sem mediação.
Caminhe até onde trabalha o artesão e sente-se para uma bebida quente. Se atente para o ritmo, a presença e o cuidado em cada movimento do ofício simples e honesto. Dê testemunho do nascimento de versos de cerejeira e poemas de jacarandá. Se abstenha de comprar algo só porque a data chegou – seja mais que um fantoche para os senhores do comércio. Desate os fios guia que amarraram às suas mãos. Atenha-se à pergunta: do que eu preciso de fato? Com sua mão direita trace uma linha que separa mercadorias – produtos sem alma - de presentes – coisas feitas por pessoas que se importam.
Toque o mundo natural. Leve seu corpo à uma floresta antiga, esse mosaico intrincado de seres alimentados de sol, formadores de atmosfera e de solos, provedores confiáveis mais-que-humanos, formadores de rios flutuantes, reguladores do clima, anciãos milenares, pais incansáveis, mães generosas. Encare de frente o ridículo humano de se achar superior. Evolua: não meça seu sucesso pelo consumo ou crescimento, mas pela graciosa longevidade, simplicidade e persistência. Ouça: um pomar é uma forma da terra dizer “eu te amo”. Dedique-se a entender o que é o bem comum. Ande o caminho da irmandade – cultive uma relação ativa e recíproca com o mundo mais-que-humano. Dentro de si, cultive caatingas, cerrados e pampas. Resista ao insidioso germe da ganância – a mente voltada ao consumo nos devora por dentro. Se alegre por fazer um trabalho que se soma ao todo social e orgânico que você habita. Ouça o clamor da terra por um ritmo pausado de conversas amigas. Se refloreste. Olhe para as suas mãos: deixe que elas te conduzam por um caminho de volta. Sob o barulho do mundo se escondem memórias de deslubramento constante com a riqueza e generosidade da Vida.
Cultive o silêncio para que possa se lembrar. Se interesse pelas histórias, e veja como elas são também profecia. Trance laços e finque raízes. Caminhe de forma a fazer de cada passo uma saudação a Mãe Natureza. Recorra às plantas, nossas mais antigas professoras. Lute contra a força que nos desaloja, contra a voz interna que tem pressa, que julga tudo pela rapidez, pelo volume, que ignora a dinâmica suave que têm os atos de cuidado. Construa algo com a Natureza - algo simples, durável e útil. Veja como sua obra cria laços no campo sensível da conexão entre os seres. Sinta como o amor pode ter o toque da lã e o cheiro da imbuia.
Resista à coação diuturna a consumir, descartar e consumir novamente. Enxergue a violência contida na mercantilização da Natureza. Um jardim é uma medicina sagrada contra a terra devastada e os corações vazios. Deixe vago o posto humilhante de consumidor da Terra. Perceba: pessoas não-humanas são dotadas de sensibilidade, inteligência e espírito, e tem famílias a espera em suas casas. Professe seu respeito pelas vidas que sustentam a sua. Honre o mundo natural: pegue apenas o que te for ofertado, faça bom uso do que receber, seja grato pela dádiva e retribua. Ofereça seus próprios versos para nossa antologia comum. Celebre o trabalhar dos verdadeiros amadores. Aproxime seu corpo da terra viva e começe a se lembrar.
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