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A cadeira

Bem cedo na minha caminhada de marceneiro me apaixonei por uma forma: a cadeira. Não há muito como explicar, afinal paixão não se explica. Se vive. Tive o período de entrar em todo restaurante e virar as cadeiras de cabeça para baixo. A Cris por um tempo ficou constrangida, depois se resignou, é a coisa dele. Hoje em dia não reviro muito mais, mas investigo num relance o estilo, a construção, o cuidado.


Pensador que sou, guardo na mente os motivos que constroem a minha predileção por essas peças.


Primeiro tem o desafio: muita gente experiente julga que as cadeiras são complexas e difíceis. Só de ouvir isso talvez eu já tenha algo despertado em mim. É preciso observar, estudar e aprender sempre e mais. E nesse feitio eu encontro minhas mãos e mente sempre ativos. Um corpo inteiro fazendo algo com a natureza.


Depois tem o conforto: as cadeiras são as únicas peças na marcenaria que recebem o nosso corpo diretamente. Nem a cama ou o sofá nos recebem assim, diretamente na madeira, mas pelo intermediário estofado. Sendo assim, uma combinação de curvas e ângulos são, quase sempre, inescapáveis, e daí vem uma parte do desafio. Uma boa cadeira nos acolhe, convida ao toque, entende do que o nosso corpo gosta. Assim sendo, uma cadeira só é ideal para uma dada pessoa. O marceneiro tira as medidas do corpo do seu cliente. E se sente um pouco alfaiate.


Em seguida tem o fator peso. De forma geral numa cama, mesa, armário, escada ou banco, o peso é até bem vindo, signigica solidez. Uma cadeira excelente, por sua vez, tem que ser sólida e leve, para que seja prática no uso diário. Experimentamos então os limite de resistência e flexibilidade do material. Nunca quebrei uma peça enquanto fazia uma bancada, porta, ou armário. Fazendo cadeiras, já quebrei várias...


Outra razão eu ouvi ser resumida pelo mestre Larocca. Dizia: “cadeira é assim: pouca madeira e muito trabalho”. Necessitando de pouca quantidade de madeira, e peças relativamente curtas, podemos trabalhar com lotes muito restritos de madeiras nobres, antigas, reusadas muitas vezes. Uma cadeira linda de três pés, por exemplo, pode ser feita a partir de uma única peça de batente de porta, que mal bastaria para uma prateleira comum.





Eu até hoje me divirto com o fato de ter virado um fazedor de cadeiras. De tantos objetos a nossa volta, o que havia de tão especial ali? Certamente eu não imaginava. Mas adoro. Conto os minutos para me debruçar sobre o projeto de uma boa cadeira. De resto, melhor ouvir o que nos dizem os poetas: “mera mera cadeira mas breve breve revele, vele vele quem pese, dos pés a caveira”.

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